
Sempre senti uma forte atracção pela arte em todas as suas dimensões. A fotografia surgiu naturalmente ao longo desta paixão, devorando tudo o que conseguia apanhar em livros, revistas ou exposições. O advento da globalização ainda não tinha acontecido, ainda não existia a impressionante acessibilidade à informação que a internet nos trouxe. Lembro-me das paragens obrigatórias, quase religiosas, em várias livrarias de Lisboa a caminho de casa vindo da universidade, onde me perdia a mergulhar em livros de fotografia e nas ainda escassas revistas da especialidade.
O sonho começou a materializar-se aos 18 anos, com a compra da minha primeira câmara fotográfica. No início tomava notas e sugestões tiradas de revistas e experimentava vários tipos de composição em diversas condições de luz. Muita tentativa e erro, análise crítica e uma enorme vontade de melhorar. Ainda sem os recursos da fotografia digital, privilegiava a revelação em slides porque garantia, de certa forma, o que realmente tinha fotografado. Recordo-me, com alguma saudade, da ansiedade dos dois ou três dias de espera até ver o resultado da revelação.
O foco na altura era o retrato de família e uma outra paixão: viajar e conhecer outras geografias, gentes e culturas, sempre que podia. Surgem, assim, os motivos de paisagem e de natureza, tendo publicado trabalhos de texto e imagem em algumas revistas como a Volta ao Mundo e Rotas & Destinos.
Por diversos motivos, a fotografia esteve adormecida na minha vida durante praticamente 10 anos, altura em que regresso a Angola, país onde nasci e vivi uma infância de que ainda hoje guardo os melhores momentos. Um regresso às origens para trabalhar, mas principalmente com uma outra motivação, responder ao chamamento emocional e sentimental da terra que deixei abruptamente no despontar da adolescência e que sempre teimou não me abandonar.
O contacto mais directo e profundo com África, com a sua impressionante palete de cores, sons, cheiros e momentos verdadeiramente únicos, rapidamente despertou em mim uma especial sensibilidade para os aspectos humanos que me rodeiam, e levou-me a olhar mais atentamente para as pessoas e para a forma como vivem e trabalham. Nasceu, assim, uma enorme vontade de contar histórias através da fotografia. Comecei a fazê-lo há relativamente pouco tempo, dois anos se tanto. Conseguir contar essas histórias numa composição imagética e simultaneamente transmitir uma mensagem ou provocar emoções e sentimentos, é o meu grande objectivo como fotógrafo e indivíduo.
Muitas vezes pedem-me para caracterizar a minha fotografia, ou definir o meu estilo. Street photography? Retrato? Fotojornalismo? Documental? Talvez um pouco de tudo, talvez mais uma ou outra de vez em quando, mas é, de facto, uma fotografia de pessoas, das suas histórias, das suas vidas e da sua condição humana. Seja esta triste ou tocante, alegre ou feliz.
A grande proximidade que caracteriza a grande maioria do meu trabalho obriga-me a ter uma abordagem aos meus temas que ultrapassam, muitas vezes, o contexto apenas da fotografia. Fotografar em Angola, onde existem uma cultura e crenças locais bastante fortes e enraizadas, não é fácil. Há uma enorme resistência à fotografia e ao fotógrafo, para além de algumas dificuldades ao nível da segurança, principalmente nos grandes meios urbanos. É absolutamente essencial criar alguma empatia com as pessoas que fotografo, muitas vezes é uma confiança que vai sendo adquirida ao longo do tempo para que seja aceite no seu meio e elas ajam naturalmente na minha presença. Se não há um clima de naturalidade ou espontaneidade, prefiro não fotografar. Para isso é necessário ser humilde e simples como eles e conseguir comunicar, falar a sua língua, o seu calão. Ou simplesmente respeitar o seu silencio ou a sua privacidade. Conheço os seus nomes, as suas vidas, as suas histórias, isso é tão importante para mim como a própria fotografia. Muitas vezes mostro-lhes as imagens que vou tirando e por vezes volto ao local com algumas fotografias impressas. É um gesto simples, mas extremamente recompensador pela maravilhosa receptividade, principalmente nas crianças.
O trabalho de fotografia que tenho feito em Angola levou-me a repensar o mundo e a forma como estou nele, a olhar de forma diferente para as pessoas e como vivem, e a relativizar os meus anseios, os meus desejos e as minhas expectativas. Hoje sou uma pessoa mais simples e mais humana.
A minha carreira como fotógrafo amador teve, no início do ano, um desenvolvimento que me fez crescer imenso na fotografia. Acedendo a um amável e surpreendente convite de Dave Burridge, um dos mais importantes críticos de fotografia que conheci até hoje, sou actualmente curador no Street Photography Vivian Maier Inspired, um grupo de fotografia no Facebook com mais de 80.000 membros. Esta experiência, extremamente enriquecedora e motivadora, tem-me permitido conhecer em maior profundidade o trabalho algumas das maiores referências internacionais de street photography e desenvolver a minha capacidade de análise e crítica, o que se tem reflectido enormemente no meu trabalho. Hoje tenho uma visão mais abrangente da fotografia e um sentido mais apurado da técnica e da composição, obrigando-me a ser cada mais exigente comigo próprio.
Esta experiência leva-me a deixar aqui um conselho a todos os que se iniciam em fotografia ou que simplesmente amam a fotografia: fotografar pode ser um acto pessoal, de isolamento, até mesmo egoísta. Somos nós, a câmara e os temas que escolhemos ou que acidentalmente chegam até nós. Mas depois de verem o que conseguiram captar nesse maravilhoso mundo que nos rodeia e de escolherem aquelas imagens que mais mexem com vocês, seja pela sua estética ou pela emoção que vos transmitem, ou simplesmente porque acham bonitas, devolvam-nas de novo ao mundo, partilhem-nas.
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